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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

E LA VEM MAIS UMA DE NOSSO MESTRE BATISTA

SABEDORIA CAIPIRA
  (Pedindo licença ao grande Cornélio Pires                                                                                                                                                  
      e ao meu mestre Carlos Alberto Soffredini,                                                                                                                                                
      que, como poucos souberam                                                                                                                                               
    desvelar a alma do nosso caipira.)


Pela estradinha de terra, poeirenta, seguia o caiçara almofadinha (parece uma incoerência, né?), perdido pelas quebradas de um interiorzão brabo por conta de uma pesquisa da escola. Vestia-se num estilo praieiro embora cheirasse a mangue, e algo no seu andar de nariz empinado fazia saber que se sentia melhor que todo mundo... Pelo netbook que levava debaixo do braço e fazia questão de exibir, não era difícil imaginar sua cidade de origem.

Suado e sedento, fez cara de feliz quando viu o portãozinho simples de madeira, com um caminho de seixos rolados marcando a direção do casebre onde, com certeza, pensou, conseguiria um bom copo de água... E para lá apressou o passo.
Sentado no degrauzinho de madeira de acesso à porta da frente da casa, o caipira magrelo de barba rala e rugas ao redor dos olhos vivos, descascava uma espiga de milho e dava um ou outro grão que se desprendia para o seu animalzinho de estimação, um garnizézinho tipo índio de penas coloridas e brilhantes, muito a vontade ali, acomodado entre as botinas surradas do seu dono.

O almofadinha bateu palmas (dizem que ele procurou pela campainha, mas como não havia, lembrou-se do velho costume de bater palmas) e foi logo gritando:
- Dá pro senhor me arrumar um copo d´água? ... Ahnnn...Por favor. Boa tarde.
O caipira, levantando-se sem dificuldade, apesar da aparente idade avançada, pegou numa das mãos o seu garnizé de estimação e com a outra fez sinal pra entrar a visita inesperada. Parecia dizer “pode entrar, que ele (o garnizé) não vai morder você não!
- Vai adentrando, seu moço. Copo dágua num tem não, mais si servi uma caneca, tá na mão. (E grita pra alguém de dentro da casa que traga uma caneca grande de água fresquinha, nos bons moldes da gentileza da terra.
Notando com seus olhos argutos e vividos o desconforto do rapaz que não parava de olhar ao redor como se nunca tivesse entrado num sítio , o caipira solícito puxa conversa:
- Mái... Mi diz aí o moçu, di dondi é qui vem vosmecê? Di qui paradas?
- Ahn.. Bom... Eu moro em... (parece constrangido) É meio longe, né. Sou da Baixada Santista... O senhor deve conhecer, não é?
- Óia, (o caipira pigarreia) Ocê vai mi adiscurpá, mai num cunheçu não. Pra sê bem sinceru co´a sua pessoa, ieu num sei lê nem iscreve i vivu aqui tão isolado qui nem sei não ondi é issui qui ocê tá falanu...Mai devi di sê bão, né? (simpático) O moçu tá todu ajaezadu i aparatadu... Devi di tê muitu dinheiru pur lá, né não? Mi diz cá uma coisa,(genuinamente interessado) u qui é qui si pranta lá na sua terra?
- Bom... (titubeia o almofadinha, não acreditando no que ouviu) Não planta nada não... Quer dizer...Banana, né? Mas o que tem mesmo são indústrias... Grandes industrias!
 -Ahhhhhh....(ia dizer alguma coisa o caipira, mas uma moça bonita chega com a caneca d´água, mal levanta os olhos rapidamente pro visitante – curiosa mas recatada-, entrega a caneca para o caipira e volta no mesmo passo pra dentro da casa. O caipira passa a caneca ao moço que começa a beber com gosto...
-Humnnn... Fresquinha! Boa a água! (diz o moço quase simpático, enxugando os cantos da boca com um lenço que tirara do bolso)
-É du nossu mió poço... (sem disfarçar o orgulho) Minha fia cabô di tirá.
Nesse momento, ouve-se, vindo das partes de trás da casa, um ruído muito alto que faz o caipira sorrir pela primeira vez, e apontando o dedo indicador pra cima diz com segurança de quem sabe o que fala:
- É a Mafarda! Apostu qui é a Mafarda! (e virando pra casa, grita) Jusefa Lieta, corri vê lá atrás a Mafarda antis qui os gambá faça a festa!
O almofadinha caiçara com cara de absoluto “Que se passa?”, devolvendo a caneca:
- Mafalda? Que Mafalda? Gambá?! E o que é essa barulheira?
- Mafarda é a minha galinha mais poedera, moçu. Uma beleza! I num carece tê medu não qui us gambá nunca vem aqui pra frenti não.
O almofadinha, sem conseguir disfarçar o constrangimento:
- Ah, sei... Galinha, claro. Tranqüilo.
- Péra aí... (o caipira brinca pra relaxar o visitante) U moçu num é daquelis qui pensa qui galinha é tudo qui nem aquelas imbruiada nu sacu prástico qui vendi nu mercadu, não, né??! (e ri um risinho maroto).
O almofadinha sorrindo um sorriso amarelo:
- Não senhor. Claro eu não. É que eu nasci e me criei na cidade, sabe... To meio desacostumado... Estranhei, né? O barulho...Porque ela faz esse barulhão?
-Barulhão? Qui barulhão? (cai a ficha)  Ahhhhh, ocê qué dizê us cacareju? (estupefacto) Num vai me dize que ocê nunca tinha iscuitado uma galhinha cacarejá?!?!
- Bom.... Não tenho certeza.... Acho que já.... Quer dizer, não lembro direito. (pensa) E porque é que a galinha faz isso? Cacarejar desse jeito?
-Ara, sô. Mais qui pergunta! I pruquê mais haverá de sê? A galinha cacareja pra mordi avisa que boto um ovo, pra mordi todu mundu sabe qui ela feiz u seu sirviço... Craro!
-Ah, entendi (contemporiza o almofadinha) É uma espécie de anúncio. Um tipo de propaganda. (sorri um sorriso malicioso que não escapa aos olhos do caipira) É muito bom mesmo anunciar as coisas que a gente faz pra todo mundo ficar sabendo!
O caipira, ficando muito sério:
- É seu moço... É muito bão mermo. Mai presta bem atenção... Issu só é validadu quandu é di verdadi, quandu é honestu,  quandu u qui si faiz  é bem feitu!
As galinha...as da minha roça, i todas qui eu cunheçu, quandu cacareja tem todu u direitu di cacareja beeeeeem arto mermo, porque u ovu qui elas bota é perfeito!!!
Casca, crara, gema e o núcreo donde vai nacê u pintinhu... Tuuudu perfeitu!!!
Num é qui nem lá pra suas banda onde o povo cacareja, cacareja pra tudu us ladu
E bota ovo de isopor... Ovu di quinta... Ô tudu cheiu di defeitu!

O jovem, cujo sorriso se apagara, desvia o olhar do rosto forte do caipira, não mais capaz de enfrentar a firmeza quase terna daqueles olhos honestos e sábios.
- Bom... Eu vou indo.... Muito obrigado pela água.
- Ocê intendeu u qui eu disse?... Ocê cunheci as pessoa que cacareja mais qui uma granja intera la dondi ocê mora, né não, meu fio?
O moço não responde e vai saindo cabisbaixo. Disfarça o constrangimento limpando a poeira do seu netbook novinho, e volta por onde veio,  desaparecendo aos poucos entre os galhos do arvoredo de ambos os lados da estradinha.
O caipira volta a sentar-se no degrauzinho da porta, ajeita o garnizé, de novo, entre suas botinas surradas, deposita mais uns grãos de milho no chão, e passando a mão carinhosamente na crista do galinho diz com voz sussurrada como num segredo:
-Viu só, Belisário... Pur essas i ôtra qui eu achu mió ocê dizê pra sua sinhora, a Genoveva, qui quem num si garanti di botá ovu bão i perfeitu, mai assim tinindu di garantidu di bão... É mió nem cacarejá, tá ovinu? Fique di bicu fechadu qui é mai bunitu. Ara, si é! Ondi já si viu!?!?!?!?!?
E dá uma risadinha gostosa como se risse de si próprio por falar assim com um animal.
Depois dá de ombros e volta a olhar o horizonte, imerso em seus pensamentos.

batista
janeiro 2012
                                                                         (Pedindo licença ao grande Cornélio Pires                                                                                                                                               
                                                                                                            e ao meu mestre Carlos Alberto Soffredini,                                                                                                                                                 
                                                                                                                             que, como poucos souberam                                                                                                                                              
                                                                                                                              desvelar a alma do nosso caipira.)


Pela estradinha de terra, poeirenta, seguia o caiçara almofadinha (parece uma incoerência, né?), perdido pelas quebradas de um interiorzão brabo por conta de uma pesquisa da escola. Vestia-se num estilo praieiro embora cheirasse a mangue, e algo no seu andar de nariz empinado fazia saber que se sentia melhor que todo mundo... Pelo netbook que levava debaixo do braço e fazia questão de exibir, não era difícil imaginar sua cidade de origem.

Suado e sedento, fez cara de feliz quando viu o portãozinho simples de madeira, com um caminho de seixos rolados marcando a direção do casebre onde, com certeza, pensou, conseguiria um bom copo de água... E para lá apressou o passo.
Sentado no degrauzinho de madeira de acesso à porta da frente da casa, o caipira magrelo de barba rala e rugas ao redor dos olhos vivos, descascava uma espiga de milho e dava um ou outro grão que se desprendia para o seu animalzinho de estimação, um garnizézinho tipo índio de penas coloridas e brilhantes, muito a vontade ali, acomodado entre as botinas surradas do seu dono.

O almofadinha bateu palmas (dizem que ele procurou pela campainha, mas como não havia, lembrou-se do velho costume de bater palmas) e foi logo gritando:
- Dá pro senhor me arrumar um copo d´água? ... Ahnnn...Por favor. Boa tarde.
O caipira, levantando-se sem dificuldade, apesar da aparente idade avançada, pegou numa das mãos o seu garnizé de estimação e com a outra fez sinal pra entrar a visita inesperada. Parecia dizer “pode entrar, que ele (o garnizé) não vai morder você não!
- Vai adentrando, seu moço. Copo dágua num tem não, mais si servi uma caneca, tá na mão. (E grita pra alguém de dentro da casa que traga uma caneca grande de água fresquinha, nos bons moldes da gentileza da terra.
Notando com seus olhos argutos e vividos o desconforto do rapaz que não parava de olhar ao redor como se nunca tivesse entrado num sítio , o caipira solícito puxa conversa:
- Mái... Mi diz aí o moçu, di dondi é qui vem vosmecê? Di qui paradas?
- Ahn.. Bom... Eu moro em... (parece constrangido) É meio longe, né. Sou da Baixada Santista... O senhor deve conhecer, não é?
- Óia, (o caipira pigarreia) Ocê vai mi adiscurpá, mai num cunheçu não. Pra sê bem sinceru co´a sua pessoa, ieu num sei lê nem iscreve i vivu aqui tão isolado qui nem sei não ondi é issui qui ocê tá falanu...Mai devi di sê bão, né? (simpático) O moçu tá todu ajaezadu i aparatadu... Devi di tê muitu dinheiru pur lá, né não? Mi diz cá uma coisa,(genuinamente interessado) u qui é qui si pranta lá na sua terra?
- Bom... (titubeia o almofadinha, não acreditando no que ouviu) Não planta nada não... Quer dizer...Banana, né? Mas o que tem mesmo são indústrias... Grandes industrias!
 -Ahhhhhh....(ia dizer alguma coisa o caipira, mas uma moça bonita chega com a caneca d´água, mal levanta os olhos rapidamente pro visitante – curiosa mas recatada-, entrega a caneca para o caipira e volta no mesmo passo pra dentro da casa. O caipira passa a caneca ao moço que começa a beber com gosto...
-Humnnn... Fresquinha! Boa a água! (diz o moço quase simpático, enxugando os cantos da boca com um lenço que tirara do bolso)
-É du nossu mió poço... (sem disfarçar o orgulho) Minha fia cabô di tirá.
Nesse momento, ouve-se, vindo das partes de trás da casa, um ruído muito alto que faz o caipira sorrir pela primeira vez, e apontando o dedo indicador pra cima diz com segurança de quem sabe o que fala:
- É a Mafarda! Apostu qui é a Mafarda! (e virando pra casa, grita) Jusefa Lieta, corri vê lá atrás a Mafarda antis qui os gambá faça a festa!
O almofadinha caiçara com cara de absoluto “Que se passa?”, devolvendo a caneca:
- Mafalda? Que Mafalda? Gambá?! E o que é essa barulheira?
- Mafarda é a minha galinha mais poedera, moçu. Uma beleza! I num carece tê medu não qui us gambá nunca vem aqui pra frenti não.
O almofadinha, sem conseguir disfarçar o constrangimento:
- Ah, sei... Galinha, claro. Tranqüilo.
- Péra aí... (o caipira brinca pra relaxar o visitante) U moçu num é daquelis qui pensa qui galinha é tudo qui nem aquelas imbruiada nu sacu prástico qui vendi nu mercadu, não, né??! (e ri um risinho maroto).
O almofadinha sorrindo um sorriso amarelo:
- Não senhor. Claro eu não. É que eu nasci e me criei na cidade, sabe... To meio desacostumado... Estranhei, né? O barulho...Porque ela faz esse barulhão?
-Barulhão? Qui barulhão? (cai a ficha)  Ahhhhh, ocê qué dizê us cacareju? (estupefacto) Num vai me dize que ocê nunca tinha iscuitado uma galhinha cacarejá?!?!
- Bom.... Não tenho certeza.... Acho que já.... Quer dizer, não lembro direito. (pensa) E porque é que a galinha faz isso? Cacarejar desse jeito?
-Ara, sô. Mais qui pergunta! I pruquê mais haverá de sê? A galinha cacareja pra mordi avisa que boto um ovo, pra mordi todu mundu sabe qui ela feiz u seu sirviço... Craro!
-Ah, entendi (contemporiza o almofadinha) É uma espécie de anúncio. Um tipo de propaganda. (sorri um sorriso malicioso que não escapa aos olhos do caipira) É muito bom mesmo anunciar as coisas que a gente faz pra todo mundo ficar sabendo!
O caipira, ficando muito sério:
- É seu moço... É muito bão mermo. Mai presta bem atenção... Issu só é validadu quandu é di verdadi, quandu é honestu,  quandu u qui si faiz  é bem feitu!
As galinha...as da minha roça, i todas qui eu cunheçu, quandu cacareja tem todu u direitu di cacareja beeeeeem arto mermo, porque u ovu qui elas bota é perfeito!!!
Casca, crara, gema e o núcreo donde vai nacê u pintinhu... Tuuudu perfeitu!!!
Num é qui nem lá pra suas banda onde o povo cacareja, cacareja pra tudu us ladu
E bota ovo de isopor... Ovu di quinta... Ô tudu cheiu di defeitu!

O jovem, cujo sorriso se apagara, desvia o olhar do rosto forte do caipira, não mais capaz de enfrentar a firmeza quase terna daqueles olhos honestos e sábios.
- Bom... Eu vou indo.... Muito obrigado pela água.
- Ocê intendeu u qui eu disse?... Ocê cunheci as pessoa que cacareja mais qui uma granja intera la dondi ocê mora, né não, meu fio?
O moço não responde e vai saindo cabisbaixo. Disfarça o constrangimento limpando a poeira do seu netbook novinho, e volta por onde veio,  desaparecendo aos poucos entre os galhos do arvoredo de ambos os lados da estradinha.
O caipira volta a sentar-se no degrauzinho da porta, ajeita o garnizé, de novo, entre suas botinas surradas, deposita mais uns grãos de milho no chão, e passando a mão carinhosamente na crista do galinho diz com voz sussurrada como num segredo:
-Viu só, Belisário... Pur essas i ôtra qui eu achu mió ocê dizê pra sua sinhora, a Genoveva, qui quem num si garanti di botá ovu bão i perfeitu, mai assim tinindu di garantidu di bão... É mió nem cacarejá, tá ovinu? Fique di bicu fechadu qui é mai bunitu. Ara, si é! Ondi já si viu!?!?!?!?!?
E dá uma risadinha gostosa como se risse de si próprio por falar assim com um animal.
Depois dá de ombros e volta a olhar o horizonte, imerso em seus pensamentos.

batista
janeiro 2012

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