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sexta-feira, 4 de maio de 2012

UM ESPERANTO NO ANACOLUTO


Crônica de um futuro indesejável.



No dia da apuração, sua mãe me disse que ele sonhava com dentes. Na realidade, sonhava com suas próprias cáries. “Ele me disse que pegava o espremedor de alho, não como uma dona de casa que o fazia enquanto untava o caldeirão, mas como um paciente que esmagava dente por dente daquele bulbo viçoso, socava-os com palito nos buracos tridimensionais da arcada dentária, preenchia o oco e aliviava a dor com os resíduos adstringente do condimento.” 

Sua mãe me disse ainda que sempre curou a dor de dente de seus filhos aplicando alho esmagado nas cáries. Fui verificar a história enquanto as urnas da zona 119 estavam sendo lacradas pelos mesários. A secretária da seção estava preenchendo a ata, os mesários , verificando o caderno de votação e contando os ausentes e os presentes e o segundo secretário ajudava o presidente a desligar toda a parafernália de fios e equipamentos eletrônicos adjacentes  à urna.

“ Não vi mais o  Esperanto”, disseram-me seus colegas de bairro. Já os da primeira parte do bar encostavam seus cotovelos suados no balcão, enquanto os da segunda, num silêncio de morte, de alguma forma silente tentavam ocultar o paradeiro do “menino da esperança.” Os olhos dos bêbados passearam por sobre minha luz de perturbação, e me lembrei que um dia também minha avó me disse que sonhar com dentes significa desgraça.

A apuração começou. Os gafanhotos, como na expectativa de se organizar para brincar numa cama elástica, estavam apreensivos. Procurei-o por toda a Vila Esperança e os lugares aos quais freqüentava me acenavam com um gesto de ubiqüidade.

“Acabou de sair daqui”, disse-me um de seus vizinhos. Voto a voto, o futuro da republiqueta de gafanhotos ia sendo traçado num sufrágio universal consagrado mais pela esperança de sessenta por cento de um povo humilde e vencedor da comunidade que pelo poder pecuniário de um partido vermelho – embora o Esperanto seja daltônico. A oposição, que durante todo o processo anterior se abstinha numa ciranda-cirandinha-vamos-todos-cirandar-de-atrapalhação, criava expectativas até nunca vista na terra do Cruzeiro Quinhentista.

Vi um último rastro do Esperanto. Como se arrastasse ensaguentado pela neve, vi a trilha claudicante e o cheiro exangue de seu desaparecimento sumir na imensidão do horizonte enquanto todo o povo da Vila Esperança gritava : “Ele não morreu, ficou encantado!”.

Caminhei até o ponto final. Desisti de procurá-lo. Não vi o resultado da apuração, mas vi uma lágrima surgir de súbito à minha frente, cavucando a terra com uma potência ciclônica : era o Esperanto, em outra existência, inconformado com o resultado das urnas!



Um Esperanto sempre volta!

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